Plutarco: literatura e educação
- Rebecca Souza

- 12 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de mar. de 2022

Como o jovem deve ler poesia.
Esse é o título de um dos capítulos do livro "Sobre a educação dos filhos e outros escritos" escrito por Plutarco, aproximadamente no primeiro século depois de Cristo. Sim, o livro é bem antigo, mas seus ensinamentos são bem atuais.
Plutarco, assim como a maioria dos cidadãos gregos, conhecia o caráter formativo da literatura no processo educacional. Por isso, havia essa preocupação de ensinar ao jovem como ler poesia, no caso, literatura em si, já que as obras literárias eram em forma de poema.
As orientações de Plutarco são valiosas não apenas para o jovem, mas para qualquer leitor que queira aprender enquanto realiza suas leituras.
Vamos começar com esta:
"De fato, nem a métrica, nem a figura de linguagem, a grandeza no estilo, ou a aptidão para a metáfora, tampouco a harmonia ou a composição, possuem tanto atrativo e encanto como a disposição de uma narrativa mítica bem construída. Porém, assim como nas pinturas a cor, por ser mais semelhante ao real e criar uma ilusão, emociona mais que o desenho, do mesmo modo na poesia, se a ficção é combinada com o verossímil, assombra e atrai mais que qualquer obra composta com métrica e estilo, mas carente de mito e ficção."
Nesse trecho, Plutarco dirige o nosso olhar para o que realmente importa na análise de uma narrativa, nos mostrando os principais elementos que devem estar presentes: a boa construção e a verossimilhança da narrativa. Ou seja, há a priorização do conteúdo, não da forma.
"No entanto, devemos recordar aos jovens, não uma, mas muitas vezes, que a poesia, tendo uma base imitativa, emprega o adorno e o brilho nas ações e personagens retratados sem descuidar da semelhança com a verdade, pois o atrativo da imitação está na verossimilhança."
Esse "adorno e brilho" é o quando o autor faz sobressair ou exagera determinadas características de um personagem. Arthur Conan Doyle, por exemplo, ao descrever as habilidades e a mente de Sherlock Holmes, nos mostra o nível de detalhes que o personagem consegue captar, processar e relacionar a outros, fazendo sobressair o gênio de Sherlock como detetive. Observe que Sherlock não é um personagem sobre-humano, ele mantém a verossimilhança com uma pessoa real, mas tem essa perspicácia extremamente desenvolvida.
É exatamente essa preservação da humanidade de Sherlock que o torna um personagem tão cativante, capaz de manter nossa curiosidade de conhecê-lo, nos fascinando com a complexidade de sua personalidade.
Após compreender esses elementos narrativos, Plutarco deseja que o jovem saiba elogiar ou condenar as ações imitadas nessas narrativas. Ou seja, julgar os vícios e as virtudes dos personagens. Ultrapassando o que atualmente muitos denominam como "senso crítico" diante de uma obra literária, esse julgamento tem a intenção de fazer com que o leitor aprenda a avaliar as ações e tome para si o resultado dessa avaliação, passando a adotá-las em sua própria vida.
Esse trecho nos esclarece a postura que Plutarco espera do jovem diante da arte poética:
"...a poesia é a imitação do caráter e da vida de homens que não são perfeitos, nem puros, nem de todo irretocáveis, e sim submetidos a paixões e opiniões falsas e ignorantes, mas que, através da boa disposição moral, transformam a si mesmos tornando-se melhores. Uma vez que o jovem se prepare dessa forma, entusiasmando-se com as coisas bem ditas e bem-feitas, e não admitindo as más, reprovando-as, então, para ele, não haverá perigo em ler poesia."
Assim, mesmo que o jovem se depare com a imitação de homens maus na poesia, não se deixará seduzir pelas palavras, ações e possíveis êxitos desse personagem. Aqui está o caráter formativo da literatura. Quando se mostra que as virtudes são dignas de louvor, e os vícios, de reprovação, o jovem internaliza essa avaliação e aprende qual a melhor decisão a se tomar quando ele mesmo tiver de escolher entre aquelas ou esses.
Por fim, neste texto, mas não menos importante, é a orientação que Plutarco traz sobre a interpretação de texto e a forma de realizá-la.
"...se quisermos obter da poesia proveito e não dano, devemos conhecer como os poetas empregam os nomes dos deuses e como se referem às coisas boas e más [...] e se essas palavras são empregadas com apenas um sentido ou com vários."
Para que todo esse processo educativo dê certo, é fundamental saber ler as palavras e compreender seus significados corretamente. Por isso Plutarco, ao longo do capítulo, apresenta excertos de obras, demonstrando os diversos conceitos que diferentes poetas atribuíram em relação a uma mesma palavra. Ele recorre à boa construção textual para que o leitor, em outras partes do texto, procure verificar se aquela palavra foi realmente compreendida de acordo com o significado que foi atribuído a ela pelo autor.
Quer saber mais sobre o conceito de imitação que tanto foi falado neste texto? Veja este post aqui




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