A história da minha biblioteca - Parte 1
- Rebecca Souza

- 4 de fev. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de mar. de 2022
Julho de 2019
Faltavam três dias para o meu aniversário, quando meu telefone tocou. Era a Késia me chamando para ir à Biblioteca. Késia é a bibliotecária. Chegando lá, observei várias pilhas de livros antigos e empoeirados sobre as mesas do fundo. Meu primeiro pensamento foi imaginar que eles seriam doados.
- Rebecca, esses livros são bem antigos e vão para a reciclagem. A maioria são títulos que já temos em edições mais novas. Então eu te chamei para você ver se vai querer algum. Pode escolher o que quiser.
Agradeci muito à Késia por ter se lembrado de mim.
Um sorriso se instalou em meu rosto ao ver todos aqueles livros simplesmente aguardando que eu os levasse para casa. Não, de maneira alguma eu deixaria que eles fossem desfigurados na reciclagem. Os ecologistas que me perdoem, mas eu tenho um destino bem melhor para eles: a minha prateleira.
Aproximei-me para examiná-los melhor. A primeira característica que observei foi que eles pertenciam àquelas edições de capa dura que contêm apenas o título da obra, o nome do autor e a logo da editora. Cada um era de uma cor, mas nada de cores vibrantes, eram cores de tom mais escuro: vinho, preto, verde musgo molhado de chuva e marrom com um brilho de verniz.
A minha escolha, enfim, começou com a análise dos títulos, autores consagrados seriam a prioridade. Ao abrir o primeiro livro percebi como aquelas edições eram ainda melhores do que eu havia imaginado. Nas contracapas tinham ilustrações que se harmonizavam com o teor da história e, logo após, uma foto e uma breve biografia do autor, o que eu julgo importante para associá-lo um momento histórico, não que isso seja determinante para caracterizar sua obra, mas serve para fornecer algumas pistas da narrativa.
As folhas dos livros eram de um amarelo claro e suave. A fonte da letra no estilo Times New Roman. Não poderiam ser mais confortáveis para ler! Um primor!
Tudo estava bem até eu perceber uma coisa. Ao terminar de percorrer os olhos pelos títulos vi que não poderia estabelecer prioridade alguma. Homero, Stendhal, Proust, Shakespeare, Tchekhov, Poe, Defoe, Thomas Mann, Hemingway, Dostoiévski, Balzac, Eça de Queirós, Oscar Wilde, Camus, Molière, Gógol, Melville, Steinbeck, Zola, Henry James, Joseph Conrad, Sófocles, D.H. Lawrence, Faulkner, John Le Carré, Ésquilo, Boccacio, Jonathan Swift, Victor Hugo, Tolstói, Sinclair Lewis, Pirandello, Eugene O'Neill, John Roderigo dos Passos, Tennessee Williams, Arthur Miller e Eurípedes. Trouxe todos em duas sacolas reforçadas. O peso fez com que meus braços ficassem doendo por algum tempo, mas isso era de menor importância.
Esse fato aconteceu durante meu intervalo de almoço, quando saí do trabalho para ir para casa.
Quando minha mãe viu os livros, fez duas perguntas:
- Onde você arrumou esses livros?
- Onde você vai por tudo isso?
A resposta para a primeira pergunta foi fácil. Já para a segunda, fiquei muda por um instante.
- Não sei.
Não havia prateleira para acomodar todos aqueles livros. Sabia, porém, que a pergunta da mãe foi, no fundo, retórica. Ela já sabia onde poderíamos colocá-los. Minha mãe é daquelas pessoas que não têm dificuldade para aproveitar espaços, é uma design de interiores sem diploma. E nem precisaria de um.
Naquela semana, no sábado de manhã, peguei todos os livros e levei para o quintal. Além de verificar a integralidade dos livros, a limpeza era necessária, tanto pela poeira quanto pelo tempo que ficaram guardados. Ali, percebi como a biblioteca tinha sido zelosa com aquelas obras, não havia danificações, nem páginas faltando, nem traças, nem marcas de oxidação, nem rabiscos e, para minha surpresa, nem carimbo da biblioteca. Confesso que me senti dona de uma riqueza imensurável. Ela realmente precisava de um lugar especial para ficar.
Terminada a limpeza, trouxe-os para o meu quarto e coloquei todos em cima da minha cama. A mãe havia notado minha movimentação e me chamou:
- Me ajuda aqui. Vamos colocar ali em cima. Temos que desocupar essa prateleira.
Bem, era uma prateleira simples, uma madeirinha quadrada com dois suportes que a fixavam na parede.
- Mas, mãe, não vai caber aqui.
- Não. Vamos ter que colocar outra madeira aqui.
Ela já havia arrumado. Era uma porta de armário de cozinha branca. Desparafusamos a outra e parafusamos essa no suporte. Serviu perfeitamente como prateleira.
Ver todos aqueles livros ali foi, pra mim, um sinal de que uma história estava apenas começando. Finalmente minha biblioteca deixou de ser sonho e passou a sonhar comigo.
(continua...)






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